1. Sádico
Não admitiria (em voz alta), mas o estado melancólico e sujo em que se encontrava lhe parecia ideal. A lâmpada queimada do quarto parecia concordar com ele e, se tivesse bebido mais um pouco, talvez conseguisse vê-la acenar algum gesto de aprovação.
Queria ser escritor e, como não escrevia nada havia muito tempo, concluiu que ela andava atrapalhando seu raciocínio. Brindou sozinho àquela constatação e quase conseguiu achar graça quando lembrou que quando a conheceu pensava que servia de inspiração.
Bebeu até lembrar das últimas vezes que teve que beber assim por causa das outras mulheres de cabelo bem preto. Dormiu e, só de implicância, sonhou com todas elas. Juntas.
2. Talvez
Ela provavelmente está na merda. As unhas devem estar quase todas terminadas, os incensos também. É quase certo que lembre dele, das coisas boas que fizeram juntos e o quanto vai se sentir perdida sem elas. Ele, ao contrário, lembrará só da irritação dos últimos meses. Andava sem paciência, ela tentava entender por quê.
Alguns dias buscará preencher seu tempo com o que quer que seja, contanto que não pense no que não deve.
O mais provável é que chore. Na hora de dormir, no banheiro, sozinha, escondida. Pode ser que beba para esquecer também, mas com as amigas e em locais públicos.
Não é difícil que saia bem arrumada, em um dia que beba muito e passe a odiá-lo por quase vinte minutos, antes de cair no banco de trás de um carro e acordar com dor de cabeça. Talvez consiga substituir uma dor pela outra, possivelmente pense.
3. Sândalo
Ou qualquer outra essência parecida, produzia a fumaça que junto com a fumaça de origem conhecida se misturava no ar.
Ela deitada de costas podia ser a coisa que ele mais gostava de ver no mundo, pensava. De lado, metade do lençol sobre metade do corpo, as partes que ele precisava à mostra: ombros, costas, osso da bacia. Tentava guardar a imagem por mais tempo. A janela, apesar de fechada, deixava entrar alguma luz que projetava listras espaçadas na parede. Não dormia por opção, mesmo. Esforçava-se muito para imaginar a maneira mais fácil de dizer que ia embora.
4. Ouvia
“Lua vermelha / quase sem amor / minha luz alheia”...
Depois ela esqueceu, assim que lembrou que nunca guardava imagens até que outras quisessem ocupar o lugar das mais velhas.
5. Outra
Esperava. De dentro do carro via a janela do quarto, as luzes acesas. Ainda que quisesse, não conseguiria lembrar quantas vezes esteve exatamente naquela posição: sob a janela, a música acessória, a fumaça que engarrafava os seus pensamentos, a fina camada de nuvens que deixava a noite à mostra. Igual, mas nada tão familiar quanto a silhueta que andava compulsivamente de um lado para o outro do quarto, antes de deter-se com cuidado por outros vários minutos à frente do espelho.
Ansioso, não gostava do tempo que antecedia qualquer acontecimento pelo qual esperava.
Esperava.
Quando a sombra na janela não manteve a constância dos últimos movimentos, passou a olhar fixamente para as escadas. Olhou os degraus vazios por um tempo que lhe pareceu muito mais longo do que o necessário.
Os pés - seguidos das pernas e de todo o 1,65m de pessoa - então deslizaram pelas escadas, fazendo com que ele sentisse a última coisa que esperava sentir quando ela aparecesse. O nó que pareciam ter dado em sua garganta, a sensação absurdamente ruim de estar no mesmo lugar onde estivera tantas outras vezes. Detestava pensar que estava andando em círculos.
À medida que ela se aproximava, sentia ele mais vontade de ir embora, de estar em todos os outros lugares, exceto no mesmo lugar onde esteve tantos dias outros, tantos. A luz do único poste do estacionamento começava a deixar ver aquele rosto. De cabelos presos lembrava demais a outra, pensou.
E, ainda que fosse a última coisa que quisesse fazer àquela hora, teve de reconhecer que aquele vestido vermelho ficava muito mais bonito nela do que na irmã.
Pedro de Oliveira
Um comentário:
já que as opiniões suspeitas são válidas, aí vai a minha em relação ao cinco
pra mim ele é um pouco difícil de ser digerido em alguns momentos. inclusive o incesto, né... mas surge de uma imaginação extremamente nefelibática (hehe)... juntou o que os melhores escritores precisam... condução elegante, original, e sem muitos barroquismos das palavras com imaginação fértil!
ainda estou esperando a publicação de o circo .sou fã desse cara...
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