19 de jul. de 2007

Instante - Reações psicóticas

Simplesmente genial

Se existe característica marcante da produção cultural, no âmbito da era do consumo, é possível identificá-la na obsessão frenética por rótulos. A fixação é tamanha, que o leque de etiquetas se torna obsoleto em curtíssimo prazo.
Tome-se, por exemplo, o rock. Tantas vezes morto e ressuscitado ao longo do século XX, hoje serve apenas como classificador de gênero das inúmeras espécies e sub-espécies que a ele são subordinadas. Seja por genuína herança de sua matriz genética ou por mutações degradantes oriundas do processo de customização para o mercado, ei-los: emocore, white-metal, pop etc.
Não bastasse a imposição de rígidas delimitações conceituais sobre as obras, também é prática recorrente da contemporaneidade engessar produtores sob os mesmos rótulos.
Denominar Lester Bangs crítico de rock é render-se à padronização que, no limite, serve apenas como indexador para catálogos bibliotecários. Dono de estilo visceral, Bangs é um murro na boca do estômago. Impossível permanecer neutro diante do que ele escreveu. Em Reações psicóticas, seleção brasileira de textos pertencentes ao original em inglês, Psychotic Reactions and Carburetor Dung, é possível conferir amostra de seu trabalho.
Seja no relato explícito de experiências com drogas ou a transcrição de bate-boca homérico com Lou Reed, em entrevista que por muito pouco não virou briga, é possível esperar tudo da obra de Bangs, exceto isenção. O conteúdo carregado de opinião e a ignorância pela padronização da forma apenas confirmam o talento do grande escritor nato, que ignora as imposições acadêmicas da produção jornalística.
Impressiona a forma como vomita palavras sem jamais ser prolixo. Fato advindo da capacidade de não se limitar à mera observação de fatos, e ir além: viver integralmente a experiência que transcreve para o texto. Talvez por isso seja comparado à Hunter S. Thompson, o “doutor” do gonzo - estilo de narrativa em jornalismo, em que o narrador abandona qualquer pretensão de objetividade e se mistura profundamente com a ação.
Para os que não se lembram, ou não viram o filme, Lester Bangs foi interpretado no cinema em Quase Famosos, filme de 2000, dirigido por Cameron Crowe. Coincidentemente, o ator Phillip Seymour Hoffman, que interpretou Bangs no filme, esteve nos cinemas novamente na pele de outro grande escritor e jornalista. Em Capote, Hoffman interpreta o famoso jornalista e escritor que dá nome ao filme.
Reações psicóticas transcende as etiquetas e não se limita a apreciadores do rock ou estudantes de jornalismo, trata-se de verdadeira lição literária sobre como transpor para o papel, com exímia habilidade, as emoções de experiências únicas.

Rafael Alimandro (por e-mail)

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