1 de out. de 2007

Terreno baldio - Desacerto [íntegra]

Desacerto - íntegra

Ausentou-se da discussão, trancou-se no quarto e então, depois de ouvir calado em seu mundo de quatro paredes, depois de lamentar ser do tipo de pessoa que precisa digerir palavras pra depois proferir, levantou-se de súbito, atravessou o corredor e pediu pra não ser considerado em nenhuma decisão, que não fizessem nada em seu nome, por ele. Pediu que todos arcassem com as suas partes da conseqüência comum e não viessem com essa depressãozinha cômoda e cômica, pediu que se recompusessem em seus eixos, olhassem em seus olhos e fizessem jus à racionalidade humana.

Não foi ouvido, por que não foi sentido, não foi entendido, mas teve paciência, por que ele mesmo, em seu sofrimento tímido, compreendia que todo aquele circo era ordinário e ele mesmo não o era. Essa era uma daquelas situações em que todos são cúmplices, e (por algum motivo) depois que “está feito”, deixam brotar nas faces lavadas um quê de arrependimento, como crianças que se acusam depois de uma travessura. Por sua vez, sentia-se um elemento estranho, com princípios destoantes. Saiu.

Durante caminhadas como aquela, de fim de tarde, foi que construira internamente seu doce lar íntimo, repleto de saudosismo, cadeira de balanço, luz baixa, som de vitrola. Quando se via só era que escarafunchava todos os cantos da sua mente, refletindo sobre cada palavra em cada sentença, sobre cada gesto e como cada um deles causou uma sensação. Este mundo, somente este, faria sentido em qualquer situação e algum possível incômodo, seria antes um verdadeiro intruso com modos muito rudes.

Enquanto admirava o movimento dos elementos que compunham aquele cenário antigo, porto de aventureiros navegadores, pensava nos encontros e desencontros da equação chamada vida, no desequilíbrio necessário para que mais na frente tudo se encaixasse. Pensava isso, pois muito já havia vivido (em intensidade também), a ponto de poder ter observado e entendido os ciclos que se repetem, na natureza, e principalmente nas relações humanas...

Acima de tudo, sabia do que ele próprio era feito: de matéria densa e resistente. Sabia como sua química reagia perante as condições ideais de pressão atmosférica, temperatura e amor.

Flávia Sofia (por e-mail)

Obs: Alguns fragmentos deste texto já foram publicados em postagens anteriores.

Um comentário:

Pedro Valadares disse...

simplismente...genial!