24 de dez. de 2007

Terreno baldio - O circo

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O circo

Achava o fogo bonito, não sabia exatamente por quê. Azul, às vezes amarelo, quase vermelho. De dentro do balde de ferro ouvia os estalos. O som da combustão disforme era pouco menos que música.

As fotos retorcidas pareciam melhores, os sorrisos menos amarelos. A cara dele, desfigurada, um pouco menos cínica. As fotos aprisionam, pensou. Não queria estar para sempre ao lado de ninguém. O fogo reparava as situações que, àquela altura, preferia não ter criado para si mesma.

Voltou andando, estava tarde. Lamentou pelo vestido, era novo e já cheirava a fumaça. Apesar da hora, ainda cruzou com algumas pessoas na rua. A falta de esquinas em Brasília fazia com que todos parecessem andar sem propósito. Pisavam sem pretensão em linha reta, para irritar mesmo.
Sentou-se na cadeira à frente de casa e considerou dormir por ali. Pensava em opções, nas que tinha. Não sentia vontade de voltar ao trabalho ou de ir ao cinema. Encontrar as mesmas pessoas no mesmo bar de ontem e dos dias anteriores todos, então, era o que mais lhe dava vontade de ir embora. Estava presa, como em uma foto.

A vantagem de estar fora e não dormir é a manhã, pensou às 6h20, olhando para o céu laranja. Sorriu, enquanto pensava em como transcrever o que acabara de entender.

'Pai, mãe, vou partir, tem um circo em frente à casa. Pai, mãe, lá fora o sol é radiante e meu vestido esvoaçante tem um grande corte. Um grande beijo, um abraço forte.
Marcela.'
Texto: Pedro de Oliveira
Ilustração: Estevão Mendes

Um comentário:

Unknown disse...

é, brasília causa essa sensação em todo mundo mesmo. mas até que é divertido caminhar sem propósito.