19 de fev. de 2008

Terreno baldio - Uma certa eternidade

Uma certa eternidade

As gêmeas sabem: um homem se arrasta bem perto. Mesmo sem olhar elas sabem. Elas sabem que há uma hora da tarde em que lugares e pessoas estão para nos dizer alguma coisa. Talvez nos digam infinitamente, mas não os compreendemos. As gêmeas sabem que escapamos do alçapão por pouco. E agora estamos aqui, neste abraço que nossoscorposmistura, nesse encontro-beijo que afasta – por um instante – as pedras enormes ao lado do rio, os viadutos sobrevoando nossas cabeças, o movimento sem fim das luzes por dentro da noite. Paredes pichadas, ruas imundas, grandes olhos sem expressão, pessoas se aquecendo em volta de um tonel de fogo, outras fugindo pelo arame rasgado de uma cerca – um mundo prestes a desabar. Sim, somos as gêmeas que sabem sem olhar, somos as gêmeas dançarinas que vezenquando despertam para uma fugidia lucidez, para a hora-clara, para o espanto de estarmos vivas.

João Batista Ferreira
do livro O Doce Vermelho das Beterrabas (7Letras)

Um comentário:

Animal disse...

muito bom.

e na resenha está escrito que a orelha do livro é do marcelino freire. ave maria, isso é que é prestígio.

muito obrigado pela contribuição!