20 de set. de 2007

Construção - Todo Cambia: Índios, Menezes y Pumas - As primeiras das 100 horas do Sarau da Primavera



Aí, então, chegamos lá.

Às 22h44, do carro, colocávamos o(s) vinho(s) no gelo e não ouvíamos nada. Poucos carros no estacionamento, o silêncio e só. A gente ficou até meio sei lá.

Mas tinha gente, sim. Fomos até a tenda, a (pouca) luz deixava o ambiente esteticamente lindo. Pegamos um poema pelo meio, um cara (e declamava bem) dizia que “me poupe de tanta briga... Uma luta de merda emergente na merda”, “o mundo é uma merda!”, finalizou. Poesia de macho.
Depois de uma senhora do Coral da Alegria (presente na abertura, mais cedo, quando não estávamos – deve ter sido bonito) homenagear as mães, veio Marina Andrade (essa da foto abaixo, de costas com o violão).

Escarra, escarra!

Pouca gente assistiu à Marina cantar que “ninguém assistiu ao formidável enterro de sua última quimera / somente a ingratidão – esta pantera – foi tua companheira inseparável”. No decorrer da noite (enquanto estivemos lá) Marina revelou-se uma grande fazedora de versões. “Ah, e eu sou compositora, não poeta”. Ela que disse.

Locks

Continuou Paulo Macedo (declamava como ator, de cabelo dread, é o da foto abaixo segurando o sol com a mão). Começou com Seu Lima, poeta de Campina Grande, que dizia: “na segunda plantei a cana, na terça tava crescendo / na quarta fiz a colheita, na quinta tava moendo / na sexta fiz a cachaça, no sábado tava bebendo...”. era quarta-feira e ele, Paulo, bebia cerveja, mas o efeito cênico não foi prejudicado.

Paulo pediu o violão emprestado de Marina e cantou Mercedes Sosa, La Negra (pelos cabelos longos e pretos). Tocava e cantava, o Paulo, que Todo Cambia. "Cambia lo superficial / cambia también lo profundo / cambia el modo de pensar / cambia todo en este mundo”. (áudio abaixo – desculpem a precariedade do som, a gente não é da Globo). Como se não suficiente, declamou a sua Mim Perdoa, tão boa quanto as dos outros. Depois de jurar “guardar seu amor em uma caixa de ferro com veludo de cor”, agradeceu, recolheu a cerveja e foi.



Potyguara

A Macedo seguiu Nando Potyguara – o Poeta das Multidões. Vestia uma touca verde e amarela. Somos brasileiros, ele lembrou. Lembrou também de outros dias, dias de Gonçalves Dias, que se estivesse vivo diria: “minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá / as aves, que aqui gorjeiam / não gorjeiam como lá”.

“Eu sou um poeta popular. Eu vendo folhetins de bar em bar”. Rima até sem querer. Nando se impõe, como um índio. Fala com a lua. “Ei! Menina clara, / és meiga e do céu. / por que me olhas, / doce morena clara?”. Esse ele não declamou lá, pelo menos não enquanto ouvíamos.

Roda

Ah, sim. Um pouco antes da lua, o vinho estava gelado. Abrimos a garrafa, o que seria um acontecimento normal, se não tivéssemos sacado a rolha com uma chave de carro (contem para seus filhos). O outro cara de dread (não o Paulo Macedo, o do bar) não quis ser simpático e ceder um saca-rolha.

Um rapaz familiar (mas já pelo primeiro efeito do vinho de 5 reais, ainda anônimo) disse que ia declamar um poema do novo livro de Carla Andrade, aquela ali sentada, ele apontou. Aí lembrei. Ele é o cara que tocou baixo no dia em que estivemos, pelo balde., no projeto Parnaióca, no Lago Sul. No mesmo dia em que divulgava um livro de poesias, de Carla Andrade. Conjugação de Pingos de Chuva. A cultura em Brasília anda em círculos, e, a esta altura, minha cabeça também, pensei. Ele então falou sobre Simetria e dos “movimentos elípticos da sua saliva”. Era bom. O livro, Carla (foto acima) dedica a, entre outros, Paulo. Inferi que era esse o nome do baixista.

Paige

Seguia a noite e o sarau. Veio o homem de laranja. Um cabeludo, ainda anônimo, que entre nós foi provisoriamente batizado Jimmy Paige. Falou sobre Cidadelas, o cara era bom. Soubemos depois que se chama Vinícius e que deixou a UnB para fazer jornalismo no CEUB. Está certo.

Em seguida, outro poeta, que infelizmente não estávamos em condições de identificar, declamou, muito bem inclusive, poemas do livro Fluxo Refluxo. O nome pareceu profetizar o caminho do vinho que bebíamos. Mas foi de se lembrar o que ele disse: “a felicidade não se compra com abridor de lata”. Nem com saca-rolha.

O homem de laranja voltou. “O medo esquece-me por puro medo”. Um outro cabeludo ainda cantou, a capella, “na terra de Aruanda todo povo canta, na terra de Aruanda todo povo dança”. Àquela hora, todo povo era só ele, mas estava bonito mesmo assim.

Puma

Um puma verde (ou um cara com uma camisa verde da Puma) nos atacou. Depois identificado como José Edson dos Santos, o poeta insano de bom. Ele jogava as palavras na nossa cara. Era um louco consciente, incontrolável e sensacional. Ele disse tudo ou quase tudo: “fumo o souza- câncer”. “Ratos emaconhados, junkies”. “A cobrinha multicor mordeu o meu tendão”. “A sua ausência ofídia...”. E continuou. Depois falou sobre o horror, com entonação que lembrou muito José Mojica Marins. Falou também sobre vodcas e elevadores. Reflexões pertinentes.

Acre

Marina Andrade voltou e falou sobre algo que ia “deixando um acre sabor na boca”. Nossa primeira garrafa já tinha acabado, o sabor era isso tudo aí. Acre também. Menezes y Morais, do Coletivo de Poetas e um dos organizadores do evento, surgiu pelas nossas costas e começou a falar da Irene de Manuel. “Irene preta / Irene boa / Irene sempre de bom humor”. Lembrou ainda de um Pessoa, disse que era um fingidor e que “... chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente”.

Círculo

“A poesia está na roda”, alguém falou. E às 23h59 estava mesmo, pois as pessoas se esvaíam e um pequeno círculo foi formado com os remanescentes. “Canta enquanto a gente se acha”, pediu uma simpática morena (que também não foi identificada) à Marina Andrade, que cantou que o vento voava com Cecília Meireles (áudio abaixo). O poeta Nando Potyguara (abaixo, ainda desperto) “pescava”. A roda tinha seis pessoas, contando com os do balde. (abaixo, ainda gravando)





Imprudência

Fomos até o carro buscar a outra garrafa, grande idéia. Chegava gente àquela hora. Renovação.
Passamos para um vinho de 14 reais, um salto de qualidade. Demoramos em abri-lo, já sem a mesma destreza de antes. De saco cheio e agressores em potencial do cara de dread do bar, empurramos a rolha pra dentro com a caneta, que passou a não funcionar.

Ouçam

A roda estava maior com os recém-chegados. Sem caneta, limitamo-nos a ouvir as várias coisas interessantes que dizia Menezes y Morais sobre Olavo Bilac e Augusto dos Anjos.

Temendo a condição de volta para casa, saímos de lá 01h06 da manhã, contabilizando 14 pessoas na nova roda. Maior, mais ébria e animada. Genial.

Hoje estaremos de volta.

Da equipe d'o balde.
Texto: Pedro de Oliveira
Fotos: Gabriel Morais

3 comentários:

Anônimo disse...

simplesmente sensacional.

Unknown disse...

Galera, Parabéns! O texto tem uma fluidez gostosa, humorada e as imagens tem poesia (no figurado).
Abração,

Unknown disse...

Galera, o blog de vocês tá muito massa.. tão de Parabéns!
Abraço!