12 de nov. de 2007

Terreno baldio - Pequena

Pequena

Juntou sua mão direita à esquerda dela enquanto andavam devagar até o lago. Ela, de patins, era quase da altura da barriga dele.

Abriu o saco plástico de supermercado e começou a atirar pedaços de pão dormido aos patos. Gordos e aparentemente velhos, boiavam perto da margem como se já soubessem que ela viria. Sorria, refletindo o sol nos pequenos dentes brancos. Parecia estar tão feliz quanto conseguiria.

Era sua irmã mais nova, era sua. A idéia de ter que ajudar na formação de um ser humano inteiro lhe dava muito medo. Tentava ele imaginar como seriam os dias que ela teria pela frente. Se seria feliz ou viciada em café; gostaria de livros ou teria muitos namorados; se ia se interessar por política, futebol, discos de vinil, vestidos vermelhos.

Terminados os pães do saco ela passou a fazer bolhas de sabão com um arame arredondado que tirou do bolso do vestido amarelo. Soprava devagar e acompanhava com os olhos todas as bolhas, uma a uma, até que estourassem. Às vezes voavam na direção do sol, o que fazia com que ela apertasse os olhos e franzisse a testa. As bochechas pareciam ainda maiores. Espirrava. Sorria.

Quatro e meia da tarde, hora em que as várias mulheres pequenas e soltas de cabelos presos costumavam ir ao parque. Usavam blusas grudadas e shorts menores do que seus cérebros. A irmã, no entanto, para ela queria estar presente. Talvez a única pessoa que o fizesse ter vontade de não precisar de nenhuma outra.

Ficaram ali até que o sol começasse a se pôr. Caminhavam de volta para o carro, chegaram ao asfalto. Ela soltou a mão dele para deslizar sozinha nos patins. Já andava sobre eles muito mais rápido do que da última vez. Cruzava a pista de asfalto na perpendicular sem olhar para os lados.

Ele não viu, nem ela, o menino, quase do dobro da idade dela, que pedalava ensandecido numa bicicleta azul vinda da direita. Parecia competir contra ele mesmo, o imbecil. Passou voando à esquerda dela, sem atingi-la em cheio, mas tão rápido que a fez perder o equilíbrio e girar uma vez meia antes de cair, primeiro com as mãos, depois com o joelho direito no chão.

Correu e antes de levantá-la olhou bem para seu rosto para ver se chorava. Chorava. Estava aparentemente bem, mas tinha sangue escorrendo do joelho. Puxava o ar e soluçava, o coração batia como uma máquina de lavar encostada na parede.

Moleque, bicicleta, patins, sangue. Procurou o menino, os dentes rangendo. Filho da puta. Nada.

Levantou-a e soprou o joelho. Está ardendo, ela dizia enxugando os olhos, a mão suja do asfalto marrom. Ele Tirou-lhe os patins com dificuldade dos pés suados, a mão direita dela apoiada em suas costas. Está tudo bem, tentava dizer a ela, mesmo que não acreditasse naquilo.

Imaginava o que faria com aquele menino da bicicleta azul, que também devia ser irmão de alguém, se o encontrasse. Chute na roda, patins na boca, sangue.

Ela já tinha parado de chorar.

Caminharam de volta em silêncio. Sentou-a no banco de trás do carro, colocou o cinto. Posso abrir a janela, perguntou, ainda meio rouca.

Voltou a soprar as bolhas com o arame. Elas agora estouravam muito rápido, assim que chegavam à janela. Ela sorria de novo, ele viu pelo retrovisor com o resto de sol da tarde.

Voltou a respirar, esperando que ela dissesse alguma coisa. Qualquer coisa.

- Irmão, amanhã você me traz de novo no parque?

Texto: Pedro de Oliveira
Ilustração: Fernanda Oliveira

2 comentários:

isomura disse...

As palavras denunciam que a melhor maneira de esperar o próximo segundo é lendo.

Muito bom.

Anônimo disse...

Texto é a cara do autor!