5 de nov. de 2007

Plataforma do samba - o balde. entrevista Seu Enock

Às vezes elegante como um samba cantado a uma Graciosa, outras furioso como um Bicho enjaulado estilhaçando vidro, Enock de Almeida Lima, o seu Enock, é o sambista da rodoviária de Brasília. Boina cinzenta, terno azul-marinho, na mão direita o cigarro torto, na esquerda o reco-reco. Fala de dificuldades, canta às mulheres, agradece ao transcendente. Enock andou com o samba, e o samba para si tomou, eu quero andar com o samba, igual ao Enock andou.

O senhor é de onde?

Eu nasci em Ipameri, Goiás. Vim para cá (Brasília) em 57. Eu, meu pai, minha mãe e meus irmãos. Em 57 morei no Bandeirante, Cidade Livre... Candangolândia, bairro de Candangolândia. Lá eu morei até 65. Em 65 eu mudei para Sobradinho. Estou até hoje em Sobradinho. Moro lá, em Sobrado.

Desde quando o senhor escreve sambas?

Samba tá com seis anos... De seis a sete. Ali na estação rodoviária mesmo, minha inspiração começou a vir através de pessoas. Mulher, né? (risos) Inclusive aí saiu o Maria Linda e o Graciosa. Uma passou pra lá, eu botei o nome de Maria Linda, outra passou pra cá eu botei o nome de Graciosa. Saíram dois sambas, quase em uma hora só. Aí de lá eu vim compondo... O primeiro que eu fiz na minha vida foi o Bicho, né?

Quem é o Bicho?

Eu achei que a vida me transformou num bicho. Porque eu fui separado sem mais, sem menos... A mulher me largou e aí eu me transformei em um bicho. Comecei a beber, entendeu? Eu via um bicho mesmo. Aí saiu esse samba. Já antes eu tentava fazer ele, mas não conseguia porque eu tive um acidente trabalhando. Caí de um prédio, terceiro andar, passei muito tempo com amnésia. Calculadamente mais de quinze anos... De quinze a trinta de amnésia, eu não contei. Aí pela entrevista que eu tive no Correio Braziliense em 2001, me perguntaram sobre o passado e eu fui me recordando das coisas, inclusive me recordei do meu pai, que tava na memória, mas eu não lembrava direito. Aí eu recordei tudo e a música, esse Bicho que eu tinha começado já veio na minha idéia e eu já saí cantando. Já me considerei compositor a partir dessa, a partir dela eu consegui fazer as outras. Aí a inspiração vinha em momentos...Eu na rodoviária engraxando sapato... Por que minha profissão é engraxate agora. Eu sou aposentado, mas preciso ganhar um trocadinho, né? Aí eu tô lá trabalhando e vem a inspiração, de repente. Agora o que tenho a reclamar é que lá em cima, além da inspiração, tem bom freguês, boa gorjeta, bons amigos...

Lá em cima?

É, na parte superior da estação rodoviária, terminal Brasília. Lá eu tinha minhas inspirações momentárias, rapidinho, beleza. E muitos amigos. Depois eu fui descobrir que tinha muitos inimigos também. Por causa da inveja, né? Dessa inveja eu fiquei nervoso... Tinha um homem do vidro lá e aí eu quebrei o vidro. Aí eles me botaram lá para baixo, na parte inferior, onde é frio, onde eu peguei reumatismo, entendeu? Amizade eu não faço, inspiração não vem e o som perturba... Poluição sonora, poluição de fumaça de cigarro, de ônibus, de tudo. Têm aqueles do tiner, os cheiradores de cola. Eu trabalhava com cola e fui até obrigado a parar de trabalhar, porque eles pegavam para cheirar. E outra coisa, aquilo me comprometia porque eles queriam saber onde eu arrumava. Aí eu tive que parar de ser sapateiro. Só estou mesmo engraxando sapato e fazendo samba... Quer dizer, cantando, porque fazendo mesmo, não. A inspiração tá ruim.

Quantos sambas o senhor já fez?

Estou com 15 completos e em andamento tem uns seis. Vem a inspiração dentro do ônibus, porque dentro do ônibus eu canto.
E de quê falam seus sambas?

A minha inspiração vem de pessoas, né? Bicho em forma de pessoa, Jesus me inspira. Mas, mais é mulher, né? (risos) Porque mulher mexe com qualquer sentimento. A minha ex-esposa, ela passa muito amor dentro de mim, que eu posso me inspirar. Eu já fiz uns quatro pra ela, mais ou menos, uns seis ou quatro. E eu vou seguindo. Mas acho que eu continuando, trabalhando lá embaixo, de engraxate ainda, naquela plataforma não tem jeito. Não sei se a inspiração vai continuar.

Quem o senhor gosta de ouvir?

O que eu gosto de ouvir é Martinho da Vila, porque Martinho da Vila já me tirou da fossa, né meu irmão? (risos) E eu acho que eu me inspirei alguma coisa com as músicas dele. Inclusive a Graciosa é uma inspiração. Fala até na Vila Isabel, que é justamente do Martinho.

De todos os sambas que o senhor tem, porque escolheu tocar estes sete hoje (na ocasião em que se apresentou, no Sarau da Primavera)?

Eu escolhi porque têm duas que são recitadas e as outras mais ouvidas... Todo mundo fala que são boas, aí eu escolhi elas. Mais ou menos, quer dizer, não sei se são boas, mas eu acho que elas têm alguma coisa. Quer dizer, para quem eu canto... Eles gostam, né? (risos) Falam que são boas.

Além do ônibus, onde mais o senhor se apresenta?

Eu canto mais dentro do ônibus, na parada de ônibus... No bar da Marizete, na quadra 8 de Sobradinho, em frente à quadra 10. De vez em quando a gente toca lá, tem o pessoal... Tem o Anselmo que tem um grupinho também, um grupo de seresta. De vez em quando eu toco um reco-reco lá. O reco-reco que eu tinha, que me roubaram, foi o reco-reco que o Anselmo me deu. Ele me deu no dia de Natal.
Além do reco-reco, o senhor toca algum outro instrumento?

Toco. Toco surdo, tan-tan. Tudo do samba, percussão quase completa. Por causa do acidente eu não toco bateria de pé, não toco mais cuíca... Eu tocava cuíca, pandeiro eu tocava muito também.

Da equipe d'o balde.
Texto: Pedro de Oliveira
Fotos: Carlos Rasta

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