13 de out. de 2009

Chuva de cigarras [terreno baldio]

Apesar de nublado, o dia estava quente. Não tanto como em agosto, é verdade, mas ela ainda recorria a vários copos d’água, um atrás do outro. Só gostava de água gelada. Dizia que se não assim, não matava a sede. Ele, mais calmo naquela semana, sentado na poltrona, lia um livro. O terceiro do mês. Quantia inédita no ano.

Ela separava os grãos de feijão na mesa da cozinha. Pés no chão frio, para atenuar o calor. Cantarolava baixo para não atrapalhar a leitura na sala. Tentava se esquecer do trabalho, e das obrigações com as quais não concordava. Dois minutos depois o café ficaria pronto. Pensou em servir com os pães de queijo, feitos com as próprias mãos.

Ele já se desconcentrava, tanto com o cheiro vindo da cozinha, quanto pelo cantar incessante das cigarras, no bosque ao lado. Fechou o livro e lavou o rosto e as mãos, enquanto bocejava um sono atrasado. De volta à sala, colocou para tocar um disco do João Donato, que estava na vitrola havia quatro dias.

- Pronto! Acho que ficaram bons. – Disse animada.
- O cheiro está muito bom. A aparência também. – Retrucou.
- Vou te servir o caféééé...Aiiiiiiii. – Desesperada, gritou.
- Calma, é só uma cigarra. Passa essa toalha amarela. – Pediu.

Passou e saiu correndo para a cozinha, com medo e a blusa manchada de café. Os pés grudando por causa do líquido. Calmamente, ele jogou a toalha por cima da pequena cigarra, que parecia dançar se debatendo nas paredes e no teto. À medida que ele a apertava com a toalha, ela esperneava, como que reclamando. Atirou-a pela janela e a acompanhou até perder de vista.

- Pode voltar. Já foi. – Acalmou.
- Ai. Que nojo. Esses bichos só servem para entrar nas casas desse jeito.
- Que isso?! Elas anunciam que a chuva está chegando.
- Chuva? Que chuva? Até agora só garoa.
- Bom, não tem chuva ainda. Pelo menos tem cigarra. Quando não tiver mais chuva nem cigarra, aí temos que começar a nos preocupar.

por Alexandre Isomura


crédito: Arthur Paganini

3 comentários:

Rejane Saraiva disse...

Cigarras cotidianas.

pedro disse...

bem legal o texto! ontem à noite entraram 3 cigarras em casa. e se esgoelaram tipo o edson cordeiro. foda.

sugestão de link para o blog, revista bacamarte - pela democratização da literatura: www.revistabacamarte.com.br

a juventude brasiliense pensante precisa se encontrar e sociabilizar uns poemas e desenhos. quem sabe umas charges.

um abraço,

O Balde disse...

Cigarras cotidianas desde a infância.

Acatado o link sugerido.

Joguem tudo no O Balde. Mergulhe de ponta.

Obrigado pelos comentários.

O Balde.