13 de nov. de 2009

A hora do ônibus [terreno baldio]



Ele desce as escadas e pede um café. Ela que esperava em pé na sala apoiada na mesa que ele terminasse a leitura para poder limpar o banheiro de seu quarto, adia a tarefa e prontamente atende ao pedido. Esperaria um dia inteiro se ele não descesse para pedir o café. Não atrever-se-ia a subir as escadas e questioná-lo.

Ela avisa que o café está pronto. Ele se senta à mesa da cozinha e puxa conversa. Ela trabalha para a família há tanto tempo que sabe de causos que ele, como parte integrante, deveria saber. Calada, porém se incitada à conversa é capaz de falar durante horas sem parar.

Ele bebe o café amargo e apenas a ouve, assenta com a cabeça e sorri dos casos mais engraçados. Até que certo momento, ela solta a frase. “Você é meu patrão. Eu tenho que fazer o que você pedir”. O absurdo anacrônico daquela senhora perto dos 60 chamando o moleque universitário de patrão é como um soco no queixo.

A partir daquele momento, atormentado, não consegue mais achar graça nos causos. O incômodo desígnio que ela lhe concedera tem um peso terrível. Como poderia ele achar que falava de igual para igual. Desejava profundamente não ter pedido para ela fazer o café.

Após meia hora de conversa, ela sem se afetar sobe as escadas e vai limpar o banheiro. Ao terminar, se despede e ruma para a parada. A espera hoje será maior. Seu ônibus já passou...

por Pedro Valadares

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